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Snack Bar e difusão cultural: a importância da pipoca para o faturamento dos cinemas brasileiros

  • Miguel Rodrigues Nunes Neto
  • 18 de out. de 2017
  • 4 min de leitura

Cinema e pipoca é uma combinação tão perfeita que nos parece difícil imaginá-los separados. Mas nem sempre foi assim.

Quando a exibição de filmes em salas de cinema se iniciou nos Estados Unidos da América em 1895 com a famosa apresentação dos irmãos Lumière, logo ficou impregnada pelo glamour dos tapetes vermelhos e se tornou um evento da alta sociedade. Popularizou-se após o ano de 1927, quando o cinema passou a ser produzido com som e se tornou um dos principais entretenimentos em tempos de crise mundial.

A pipoca, por sua vez, já era popular nos Estados Unidos da América desde a metade do século XIX, como explica o historiador Andrew Smith em seu livro “Popped Culture: A Social History of Popcorn in America”. Segundo o autor norte-americano, a pipoca era inicialmente vendida apenas nas portas dos cinemas por vendedores ambulantes, já que os cinemas mais tradicionais, antes frequentados apenas pela alta-sociedade, recusavam-se a comercializar a despretensiosa pipoca no interior de seus elegantes estabelecimentos.

Os tempos mudaram. A pipoca saiu dos carrinhos dos vendedores ambulantes precariamente instalados nas proximidades dos cinemas e passou a ser vendida nas antessalas de todos os cinemas contemporâneos. A sua comercialização tornou-se cada vez mais importante para o funcionamento dos cinemas, que passaram a ter nela importante parcela de seu faturamento. Foi assim que surgiram as Snack Bars, verdadeiras bombonières com produtos pensados para o consumo durante a exibição cinematográfica – dentre eles, a pipoca é protagonista.

Segundo dados cedidos gentilmente pela rede Multicine Cinemas, os Snack Bars representam 23,25% de seu faturamento no segundo trimestre de 2016, percentil este que pode exemplificar a sua importância para os cinemas multiplex (aqueles localizados em shopping centers com ao menos cinco salas, mil poltronas e lojas de conveniência).

Em artigo publicado pelo Departamento de Economia da Universidade de Yale com o nome “Why Does Popcorn Cost So Much At the Movies?”, Ricard Gil e Wesley Hartmann observam que a pipoca quando comercializada em estabelecimentos tais como teatros, estádios e cinemas tende a ser mais cara do que aquela comercializada em pequenos comércios, shoppings ou restaurantes.

Explicam os pesquisadores que isto se deve ao fato de os estabelecimentos que cobram ingressos terem diversos custos associados em seu preço para a exibição artística, esportiva ou cinematográfica, tais como remuneração por direitos autorais, por uso de imagem e de produção. Assim, como forma de tornar a exibição mais acessível ao grande público, democratizando-a, estes estabelecimentos reduzem ao máximo a sua margem de lucro na venda dos ingressos, e obtêm retorno e melhores margens comercializando outros produtos ao público que comprara ingresso a menor preço.

A lógica é simples e favorece a difusão cultural, como afirma o estudo norte-americano, de onde se concluiu que o elevado preço da pipoca nos cinemas representa, na verdade, benefício para os seus frequentadores, que têm acesso a um ingresso com preço reduzido, o que aumenta as chances de que pessoas com menos condições financeiras assistam a filmes.

Entretanto, apesar da importante correlação entre a venda de pipocas nos Snack Bars e a redução dos preços dos ingressos como recurso de promoção do acesso ao conteúdo cinematográfico e à cultura, os Procons estaduais têm multado os cinemas multiplex que impedem o acesso de clientes às suas salas com pipoca e outros alimentos não adquiridos em seus Snack Bars sob a alegação de que se trata de venda casada vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. Com igual entendimento, o Judiciário tem reconhecido a legalidade das multas aplicadas pelos órgãos de proteção do consumidor aos cinemas multiplex, embora não sem divergências entre juízes, desembargadores e até mesmo entre ministros do Superior Tribunal de Justiça.

A postura dos Procons impede o modelo de negócio dos cinemas multiplex, que prevê a renda dos Snack Bars, justamente, como um dos pilares de sustentação do empreendimento.

Segundo explicado pela Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (ABRAPLEX) em ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 398) ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal (STF): “O modelo de negócio adotado por essas empresas depende necessariamente da renda obtida nas lojas de conveniência, tanto por conta dos maiores custos associados às salas de maior proporção, quanto pelo risco, correspondente, de que sejam baixas as taxas de ocupação. Nesse cenário, as bombonières são parte central na equação de viabilidade econômica e na composição das margens de lucro do setor”.

A insegurança jurídica causada pelos Procons e admitida por parcela significativa do Judiciário é prejudicial ao segmento de cinemas multiplex, cuja importância para a economia é tamanha que, segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), cerca de 53% da população tem no cinema a sua principal motivação para ir ao shopping, sendo buscado como a opção mais barata de lazer.

Hoje a questão jurídica está em debate STF, nos autos da ADPF 398. Espera-se, portanto, que a Corte Constitucional resolva em definitivo a questão sem desconsiderar a importância da comercialização da pipoca para a manutenção e crescimento do mercado de cinemas no Brasil e a promoção do acesso à cultura mediante a redução dos preços dos ingressos de cinema.

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Miguel Rodrigues Nunes Neto - Advogado do escritório Burjack, Nunes & Vasconcelos Advogados e assessor jurídico de entidades sindicais e associativas de servidores

Thiago Oliveira de Castro - Advogado especialista em Direito Público e Professor de Direito Administrativo e Constitucional

Publicado originalmente aqui.

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